Olá! Eu sou a psicóloga Luiza Aguiar e este é o episódio número dez do podcast “Ansiedade em foco”.
Semanalmente eu e um convidado informamos você, psicóloga clínica, que deseja aprender como a ansiedade pode ser tratada por diferentes profissionais da saúde, de maneira individual ou colaborativa.
Como hoje é o Dia Nacional do Riso, o foco deste episódio será a risada como uma estratégia de fortalecimento da saúde. A convidada é a psicóloga Psicóloga Letícia Reis (CRP 04/58032).
.
.
– Luiza: Letícia, conte para as psicólogas ouvintes um pouco mais sobre você e o seu trabalho!
– Letícia: Olá! Eu sou a Letícia, psicóloga clínica especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Atendo exclusivamente mulheres adultas de qualquer lugar do mundo, acolhendo suas histórias através das telas na modalidade online. Para oferecer um acolhimento verdadeiramente cuidadoso, estou em constante construção da minha trajetória com formações voltadas ao atendimento de mulheres, o que me permite criar um espaço seguro e acolhedor, rompendo com narrativas opressoras que causam dor e sofrimento. Minha proposta é, junto com cada paciente, ajudá-la a viver com mais flexibilidade, autenticidade e leveza.
Antes de chegar ao trabalho clínico com mulheres, eu era fascinada pela psicologia hospitalar. No meio desse caminho, entre uma experiência e outra, fui conhecendo pessoas e construindo novas conexões. Estava no começo da graduação em psicologia quando, em 2015, recebi o convite para participar do “Amigos da Esperança” – um grupo voluntário que realizava visitas para levar acolhimento e esperança em Belo Horizonte. Esse grupo era composto por pessoas de diversas áreas e funcionava de forma cuidadosa e bem estruturada, com as visitas regulares ao hospital da Unimed (antigo São Camilo) e encontros pontuais em instituições de longa permanência para idosos e casas de acolhida de crianças.
Passei a me dedicar às visitas nos finais de semana e essa vivência foi me proporcionando uma compreensão profunda sobre acolhimento, um entendimento sobre a linha tênue do cuidado. Nós usávamos uniformes e nos caracterizávamos com cores animadas, acessórios, tornando a experiência ainda mais especial, proporcionando sorrisos e risos. No entanto, com o tempo, ficamos impossibilitados de continuar porque veio a pandemia e, em 2020, acabei seguindo outros caminhos.
.
– Luiza: Você pode contar para as psicólogas ouvintes como você identificava a ansiedade nas pessoas atendidas e usava o humor no projeto “Amigos da Esperança”?
– Letícia: Era um projeto voluntário, sem fins lucrativos, mas era difícil desvencilhar do olhar de estudante de Psicologia que estava se lapidando na minha formação na época. Nas visitas aos hospitais, por exemplo, antes de entrar nos quartos, procurávamos entender o contexto e o estado de cada paciente, respeitando o momento e o espaço deles. O hospital em si é um ambiente de muitas vulnerabilidades, não apenas pelo adoecimento físico. Cada choro e preocupação do momento carrega uma história e repertório – como a pessoa aprendeu a lidar e validar as emoções difíceis, o que faz com o que a pessoa esteja ali no contexto, como é a rede de apoio etc. Muitas vezes, principalmente as famílias/ acompanhantes tinham um semblante cansado e preocupado. Para muitos aquele era um contexto ainda de muitas incertezas e desamparo, o que gerava bastante ansiedade e ela aparecia de várias formas: algumas pessoas ficavam mais inquietas, falavam sobre as preocupações com o futuro ou com o diagnóstico, enquanto outras se fechavam, ou transpareciam uma respiração mais ofegante.
Nas casas de acolhimento com crianças era um pouco diferente, a ansiedade era mais vista no momento da vinculação. Nesse contexto as crianças já sabiam que íamos chegar. O afeto e presença de se mostrar ouvindo e brincando era algo transformador para elas. Começavam acanhadas, observavam tudo (muitos em alerta) e depois iam se abrindo mais para as brincadeiras, mágicas e histórias que contávamos.
No contexto das visitas nas instituições de longa permanência com idosos(as), percebia-se em alguns uma certa ansiedade para falar e terem um espaço para serem validados e ouvidos sobre as preocupações contínuas sobre a vida. O humor dava esperança.
Muitas vezes, ao entrarmos com uma abordagem mais leve, usando o humor de forma respeitosa, conseguíamos oferecer um momento de alívio e descontração. Para quem estava em ambos os contextos, nossa presença representava uma pausa e/ou um pequeno espaço para focar em outras perspectivas. Também respeitávamos aqueles que preferiam se manter mais recuados, compreendendo que o humor funciona de maneira diferente para cada um. Nem todos estão prontos para receber uma intervenção alegre ou humorada, o que exige uma leitura cuidadosa da situação e uma adaptação constante ao contexto. Essa experiência me ensinou muito sobre como, mesmo em contextos delicados, o acolhimento e a sensibilidade podem fazer diferença.
.
– Luiza: Quais eram os principais desafios que as pessoas atendidas tinham? E você, como participante do projeto “Amigos da esperança”?
– Letícia: Pelos contextos das visitas, constantemente estávamos expostos a histórias difíceis e a ambientes emocionalmente desafiadores. Era um desafio ir filtrando tudo que vivíamos e ouvimos. Cada um se amparava no cuidado necessário, sentindo a dor do outro. Se paralisamos na dor do outro, não conseguíamos ser agentes de mudanças. Desenvolver um olhar de autocompaixão com os outros e conosco foi um caminho muito importante.
.
– Luiza: Como você superou os seus desafios profissionais, Letícia?
– Letícia: Com autocompaixão, flexibilidade e abertura para novas oportunidades de crescimento, entendendo o processo e como cada parte dele é importante.
.
– Luiza: Você pode contar um pouco sobre um atendimento que fez durante o projeto que te marcou?
– Letícia: Cada pessoa que conheci, por pouco que seja nas visitas, teve sua importância. Acho que na experiência gera, as visitas nas casas de acolhida com crianças eram mais marcantes e desafiadoras para mim. Era um contexto muito marcado por atravessamentos e intersecções, como de gênero, classe e raça. Eram realidades muitos diferente e que precisam ser acolhidas de formas diferentes. Hoje, nos meus atendimentos, relembro o quando esses marcadores sociais e a infância devem ser considerados; e o quanto as pessoas carecem de ter um espaço para contarem sua história e dar um contorno mais gentil a ela, serem mais vistas com afeto e cuidado. Visualizar como essas pessoas se sentiam, mesmo que um pouco melhor ou mais acolhidos após nossa visita, era o que mais marcou e dava sentido para continuar no grupo.
.
– Luiza: Existem mitos sobre o humor na Psicologia que você gostaria de esclarecer?
– Letícia: Acho importante consideramos alguns pontos. A principal delas para mim é que dor é para ser sentida, atravessada e transformada. O humor não tira as pessoas da dor, entretanto pode ser uma ferramenta para ajudar com que pessoas atravessem momentos de dor de forma menos sofrida. O humor – dentro da perspectiva semiológica – é o estado emocional de uma pessoa num determinado momento e o riso é uma ação que pode melhorar o humor. Por isso é importante entender a função desse humor para que seja utilizado com cuidado e sensibilidade, com objetivo de ajudar a aliviar a tensão, proporcionar uma pausa e oferecer novas perspectivas em situações emocionalmente carregadas.
Outro mito comum do humor é que ele não possa ter um lugar em situações sérias. É importante considerar que o humor realmente não se aplica em todos os contextos e situações. Existe uma dose certo de cuidado importante, porque senão podemos cair em uma perspectiva de positividade e invalidação ou da esquiva. Considerar variáveis culturais também é importante porque cada um tem sua própria maneira de interpretar e responder ao humor. Isso exige uma sensibilidade intercultural e um conhecimento amplo para poder adaptar as intervenções.
Para mim, ser genuína com minhas pacientes é um valor meu como profissional. A relação terapêutica precisa fazer sentido naquela relação que é única. Tenho comigo que o psicólogo que precisa performar esse lugar da seriedade, “blazer e salto”, postura e expressão séria, perde o que temos de mais valioso no processo e se distancia do paciente.
Ser sério não significa necessariamente ser um bom profissional. Principalmente no atendimento com pessoas ansiosas, que fazem leituras carregadas de distorções. Se eles contam algo e o profissional não esboça nenhuma reação ou não traz momento de descontração – com função positiva na intervenção – seja durante o processo ou no rapport, como vamos construir um contexto seguro, humano e validante?
.
-Luiza: Como as psicólogas ouvintes podem usar o humor como uma estratégia de enfrentamento da ansiedade?
– Letícia: No vínculo terapêutico o uso do humor, quando apropriado, pode ser uma ferramenta poderosa para criar um ambiente mais acolhedor e descontraído, facilita a comunicação e promove um vínculo terapêutico mais forte. Reforço que, mesmo sendo uma ferramenta valiosa no processo terapêutico, deve ser utilizado em conjunto com outras abordagens e intervenções terapêuticas.
Na reestruturação como uma ferramenta que convida o paciente a olhar por outras perspectivas, como ver as preocupações e situações tensas em algo mais realista e abordável. Eu, por exemplo, gosto de usar o humor para psicoeducar o paciente não levar tão a sério seus pensamentos antes de torná-los como uma verdade. Usamos a expressão do humor “lá vai minha mente catastrófica de novo, “lá vai minha mente fazendo generalização”, normalmente as pacientes tiram o peso do pensamento disfuncional com esse atravessamento de brincar sobre a forma de pensar disfuncional.
Na flexibilidade cognitiva, os pacientes (principalmente ansiosos) tendem a fazer muitas leituras distorcidas de “tudo ou nada” e superestimam muito os erros. Aquilo que o ansioso catastrofiza como “fim do mundo” com uso do humor podemos flexibilizar para: “Aquilo foi horrível (validação) e me rendeu boas risadas depois ao lembrar”, ou seja, é uma abordagem que convida o paciente a “vamos considerar olhar para outro ângulo, sem invalidar o que aconteceu ou o que temo que aconteça”, uma forma de tornar coisas assustadoras e que doem um pouco menos sofridas.
Na regulação das emoções também pode ser uma ferramenta importante. Tem muitos estudos que comprovam que quando rimos o corpo libera substâncias que contribuem para o bem-estar, como a serotonina, a endorfina e a dopamina, em longo prazo os níveis de cortisol também diminuem.
O humor pode promover uma atitude de autocompaixão, ajudando os pacientes a terem uma abordagem diferente que pode aliviar a pressão e a autocrítica, permitindo que os pacientes aceitem suas ansiedades de maneira mais leve.
.
– Luiza: Você acredita que diferentes profissionais de saúde podem contribuir com a redução da ansiedade?
– Letícia: A ansiedade atinge milhões de pessoas de forma disfuncional. Já que todos nós temos ela conosco porque é um mecanismo importante quando funcional, a ansiedade se torna complexo e, por tanto, exige diferentes ferramentas. Tudo que ajudar as pessoas se relacionarem melhor com a ansiedade de forma funcional a curto e longo prazo tem espaço para ser reforçado. Profissionais de diversas áreas podem contribuir em cima dessa perspectiva porque cada um traz um olhar único e uma abordagem que pode complementar.
.
– Luiza: Que profissional já contribuiu com você e as pessoas atendidas pelo projeto?
– Letícia: Nos “Amigos da Esperança” não realizávamos atendimentos. É um projeto de voluntários, sem fins lucrativos, que precisava de requisitos de formação. O grupo contava com diversas pessoas de várias áreas, o que nos ajudava a construirmos ações cuidadosas e estruturar melhor cada visita. Dentro do contexto da clínica, atualmente conto com profissionais como psiquiatras, advogadas, nutricionistas, endocrinologistas e ginecologistas.
.
– Luiza: Letícia, qual é a principal mensagem que você deixa para as psicólogas ouvintes?
– Letícia: A principal mensagem que deixo é que nos amparar na teoria e técnica é essencial, mas quando nos prendemos apenas a elas corremos o risco de nos distanciarmos dos nossos pacientes. Ao incluir humor e leveza, mostramos que estamos presentes de verdade – como seres humanos. Isso cria um espaço de acolhimento onde nossos pacientes se sentem livres para existir na terapia e na vida, sem medo de julgamentos. Ser genuínas com nossos pacientes significa mostrar que até os momentos mais difíceis podem ter uma abertura para o riso e para novas perspectivas. Nem sempre o processo será fácil ou rápido, mas oferecer autenticidade e flexibilidade permite que o paciente se sinta amparado. Que possamos ser modelos de leveza, para que eles também se abram a novas possibilidades que nunca se permitiram antes.
.
– Luiza: Muito obrigada por participar do episódio dez do podcast “Ansiedade em foco”. Como as psicólogas podem te encontrar na internet, Letícia?
– Letícia: Eu é quem agradeço por esse espaço tão especial e pela abertura para dividir um pouco das minhas experiências. Para quem quiser acompanhar mais sobre meu trabalho e seguir construindo essa jornada de leveza e autenticidade, estou no Instagram @psicologa.leticiareis. Foi um prazer estar aqui. Espero que possamos seguir juntas, construindo relações mais leves, genuínas e com mais sorrisos.
.
.
Psi, espero que você tenha gostado de conhecer a Letícia e aprender sobre a risada como uma estratégia de enfrentamento da ansiedade.
Compartilhe este episódio com uma amiga psi para que possamos ajudar mais pessoas a reduzirem a ansiedade para viverem com tranquilidades.
Nos reencontramos na quarta-feira que vem, às 13h de Brasília, para o episódio “Psi, você sabe como atender clientes surdos ansiosos?” com a psicóloga Hilda Camile Santos Costa (CRP 03/20169).
Escute o podcast no YouTube, Instagram ou Facebook!
Luiza Aguiar Soares
Psicóloga | CRP 04/65266